Introdução: A cardiotoxicidade da radioterapia pode se manifestar tardiamente e relaciona-se a fatores como dose de radiação, volume irradiado e comorbidades. A fibrose e calcificação valvar, mais comuns nas câmaras esquerdas, levam à estenose progressiva, geralmente após 10 a 20 anos. O dano endotelial e o estresse oxidativo favorecem a aterosclerose acelerada, com lesões proximais e ostiais coronarianas. Alterações no sistema de condução, como bloqueios atrioventriculares e de ramo, são frequentes. Essas complicações podem impactar significativamente a função cardíaca. O caso a seguir ilustra tais manifestações em um paciente previamente submetido à radioterapia torácica. Relato de Caso: Homem, 56 anos, com antecedente de carcinoma neuroendócrino tímico em 1993, tratado com timectomia e radioterapia. Desde então, em acompanhamento oncológico. Em 2020, teve síncope, sendo diagnosticado BAVT (aos 51 anos) e implantado marcapasso bicameral. No início de 2024, iniciou dor torácica em queimação (CCS 2) e dispneia NYHA II. Ao exame: sopro sistólico ejetivo em foco aórtico 3+/6+, irradiando para fúrcula. Eletrocardiograma: Ritmo de marcapasso, com extrassístoles ventriculares isoladas. Ecocardiograma: disfunção de ventrículo esquerdo (FEVE=35%), à custa de hipocinesia difusa. Valva mitral com acentuada calcificação da cúspide anterior. Valva aórtica apresenta fibrocalcificação importante (mais evidente em válvula coronariana direita) e redução de abertura (figura 1). AVAo: 0,8 cm² e gradiente médio VE-Ao: 24 mmHg. Aspecto ecocardiográfico sugestivo de lesão actínica das valvas aórtica e mitral. Cineangiocoronariografia: ACD ocluída em óstio, ADA ocluída em terço médio e ACx de grande importância com lesão de ~80% em terço próxima e presença de placa ulcerada. Realizada tomografia computadorizada, com intensa calcificação aórtica difusa (figura 1), limitando abordagem cirúrgica. Após discussão em Heart Team, optado por abordagem percutânea de lesão em artéria circunflexa, com posterior abordagem de valvopatia aórtica (TAVI). Conclusão: O caso ilustra as manifestações tardias da cardiotoxicidade actínica, incluindo acometimento valvar, coronariano e do sistema de condução. A progressão lenta das lesões induzidas pela radiação resultou em disfunção valvar grave, aterosclerose e bloqueios de condução. O Heart Team foi essencial para definir a estratégia terapêutica: revascularização percutânea e planejamento da TAVI. O reconhecimento precoce das complicações em pacientes com radioterapia torácica é fundamental para um manejo adequado e melhores desfechos.