Introdução:Amiloidose por mutação do gene da transtirretina (ATTRv), de caráter autossômico dominante e penetrância variável, é conhecida por ampla heterogeneidade fenotípica. São mais de 400 mutações descritas, porém nem todas patogênicas –a minoria leva à maioria dos casos de cardiomiopatia e/ou polineuropatia amiloidótica. Apresentamos caso raro de mutação no gene TTR, p.Glu109Lys, sua trilha diagnóstica e implicações clínicas.Caso: Feminino, 63 anos, descendência hispânica, hipertensa e diabética, sem antecedente familiar. Há 10 meses, início de dispneia aos esforços progressiva, atual CF III NYHA, e anasarca. Ano anterior, apresentou dor torácica, descartado coronariopatia após cateterismo cardíaco. Ademais, relato de perda ponderal, alternância de hábito intestinal e hipotensão postural. Exame físico neurológico mostra hipopalestesia leve em hálux e 1º dedo dos membros superiores. Eletroneuromiografia compatível com síndrome do túnel do carpo bilateral. ECG com ritmo sinusal, bloqueio atrioventricular 1º grau e do fascículo anterossuperior esquerdo, com pseudoinfarto anterior. Ecocardiograma FE=51%, hipertrofia biventricular com septo e parede posterior do VE=13mm, ERP=0,67, PSAP = 53 mmHg, dilatação biatrial, strain longitudinal -12,5% com apical sparing, E/e’=29. NT-proBNP=8.654 pg/ml e Troponina=81,3 ng/ml. Excluído componente monoclonal: relação kappa/lambda, imunofixação sérica e urinária normais. Cintilografia miocárdica com 99mTc-Pirofosfato evidenciou acúmulo difuso do traçador (Perugini grau 3) nas paredes ventriculares esquerda e direita, confirmado nas imagens tomográficas. Sequenciamento genético mostrou mutação provavelmente patogênica p.Glu109Lys (c.325G>A) no exon 3 do gene TTR. Para manejo da insuficiência cardíaca, foi otimizado diureticoterapia, suspensos anti-hipertensivo e betabloqueador por intolerância, e iniciados espironolactona e dapagliflozina. Aguarda início de tratamento específico.Discussão: Na literatura, apenas 10 casos de ATTRv associada à mutação p.Glu109Lys foram descritos, maioria fenótipo misto (6), cardiomiopatia (2), polineuropatia (2) e ocular (1), na Europa e Ásia, média 48 anos. Este caso também apresenta fenótipo misto – porém predomínio cardiológico, início tardio, e diagnóstico propiciado através de exames não invasivos. No passado considerada rara, ATTRv é uma condição potencialmente subdiagnosticada, de caráter progressivo e fatal, sobretudo a amiloidose cardíaca, e requer diagnóstico precoce, ainda mais no cenário em que terapias específicas modificadoras de prognóstico estão cada dia mais disponíveis.