Introdução: A Insuficiência Cardíaca (IC) tem alta prevalência e oneroso impacto econômico global. No Brasil, os casos aumentaram de 0,67 milhão em 1990 para 1,7 milhão em 2017, tendência reproduzida internacionalmente. O envelhecimento populacional e avanços terapêuticos justificam, em parte, esse crescimento. Considerar etiologias incomuns, muitas vezes subdiagnosticadas, é essencial nesse novo contexto, visando o manejo adequado destes pacientes.
Relato de Caso: Homem, 70 anos, hipertenso, com insuficiência mitral primária tratada com plastia em 2014 e novamente em 2024, é encaminhado ao pronto-socorro por queda importante da fração de ejeção ventricular (FEVE). Apresentava dispneia aos pequenos esforços, edema de membros inferiores e parestesias. Relatava ainda primeira crise convulsiva há dois meses, em uso de antiepiléptico por neurologista. Exame físico com sinais de congestão sistêmica, eletrocardiograma com QTc prolongado (620 ms) e ecocardiograma com FEVE de 20% (FEVE prévia de 55% há 5 meses). Durante a investigação o paciente revelou antecedente de tireoidectomia total há 10 anos, com uso irregular das medicações prescritas. Exame físico com sinal de Trousseau positivo. Confirmou-se hipocalcemia severa (cálcio iônico: 0,51 mmol/L). A correção do distúrbio foi realizada, com normalização do cálcio. Ressonância magnética descartou miocardite, doenças infiltrativas e isquemia, sugerindo miocardiopatia dilatada de etiologia metabólica. Teve alta após ajuste da calcemia. Ecocardiograma de controle três semanas após revelou melhora parcial da função ventricular (FEVE 30%), com calcemia adequada.
Discussão: A hipocalcemia tem causas como pós-cirúrgica (ressecção de paratireoides), lise tumoral, doença renal e uso de fármacos (diuréticos, antiepilépticos, quimioterápicos, antibióticos, antifúngicos). Por seu papel no acoplamento excitação-contração, reduz o inotropismo, levando a queda da FEVE e baixo débito, dromotropismo e lusotropismo. O manejo desafiador exige tratar congestão e corrigir calcemia, pois tais situações podem resistir a diuréticos e digitálicos.
Conclusão: A hipocalcemia é uma causa rara e potencialmente subdiagnosticada de insuficiência cardíaca. Casos como o apresentado reforçam a importância de uma boa investigação clínica e metabólica em pacientes com disfunção ventricular inexplicada. O tratamento adequado pode evitar complicações graves e até mesmo recuperar a função cardíaca, reduzindo a necessidade de intervenções agressivas e otimizando o prognóstico do paciente.