Introdução: A insuficiência cardíaca (IC) é uma condição altamente prevalente e de prognóstico reservado, sendo influenciada tanto por fatores clínicos quanto por características estruturais do sistema de saúde. O objetivo deste estudo foi avaliar as características, intervenções e resultados clínicos de pacientes (pac) com IC atendidos nos sistemas público (SPUB) e privado (SPRI) de saúde.
Métodos: Estudo retrospectivo observacional baseado em uma coorte de 12.588 pac com IC acompanhados entre 2017 e 2020. Os pacientes foram divididos em dois grupos: SPUB (n=11.273) e SPRI (n=1.315). Foram analisadas variáveis demográficas, etiologia da IC, comorbidades e intervenções terapêuticas, faixa da IC pela fração de ejeção (FE): ICFEr (IC com FE reduzida); ICFElr (IC com FE levemente reduzida); ICFEp (IC com FE preservada). Métodos estatísticos: teste U de Mann-Whitney, teste do Qui-quadrado ou Teste Exato de Fischer, análise de regressão pelo método de Cox, análise de sobrevida pelo método de Kaplan-Meier (p=Log-Rank).
Resultados: A idade média foi maior no SPRI (68,5 anos vs. 62,9 anos, p<0,001). A IC de etiologia isquêmica e valvar foram mais prevalentes no SPRI (isquêmica: 36,4% vs. 24,6%, p<0,001; valvar: 14,4% vs 11,6%, p=0,003). A cardiomiopatia dilatada idiopática (CMD) e a Chagásica foram mais frequentes no SPUB (CMD: 37,5% vs 28,0%, p<0,001; Chagásica: 6,3% vs. 1,6%, p<0,001). Com relação as comorbidades, a fibrilação atrial (FA), diabetes mellitus (DM) e anemia foram mais prevalentes no SPRI (FA: 24,9% vs 19,8%, p<0,001; DM: 22,6% vs 17,6%, p<0,001; anemia: 4,0% vs 2,2%, p<0,001). A FE foi maior no SPRI (53,1±15,0% vs 45,5±16,1%, p<0,001), predominando a ICFEp no SPRI (63,7% vs 44,0%, p<0,001) e a ICFEr no SPUB (43,6% vs 24,5%, p<0,001). O SPRI realizou mais cirurgias e angioplastias, enquanto o implante de marcapasso e ressincronizador foram mais frequentes no SPUB. A mortalidade global foi maior no SPUB (22,2% vs. 18,3%, p=0,001). Na análise de regressão multivariada, foram preditores de morte no SPRI: idade >60 anos, comorbidades e ICFEr. Os preditores de morte no SPUB foram: idade >60 anos, etiologia Chagásica e valvar, comorbidades e ICFEr. A etiologia hipertensiva e transplante cardíaco foram associados com redução da mortalidade.
Conclusão: As características clínicas e faixa de IC, intervenções e prognóstico apresentaram diferenças significantes entre os pac do SPRI e SPUB. Diferenças estruturais no acesso aos cuidados podem influenciar os desfechos, ressaltando a importância de políticas que promovam equidade na atenção à IC.