INTRODUÇÃO: a macroglossia, caracterizada pelo aumento anormal da língua, é um achado clínico clássico e considerado quase patognomônico da amiloidose de cadeias leves (AL). No entanto, sua presença na amiloidose por transtirretina (ATTR) levanta questionamentos diagnósticos, especialmente quando a cintilografia com pirofosfato de tecnécio (99mTc-PYP) resulta negativa. Relatamos a seguir um caso ilustrativo dessa associação incomum.
RELATO DE CASO: masculino, 70 anos, com antecedentes de 3 cirurgias para síndrome do túnel do carpo em 2010. Em 2022, passou a apresentar desequilíbrio e aumento progressivo do volume lingual, com impacto na fala. Iniciou investigação de amiloidose. A pesquisa de gamopatia monoclonal, imunofixação sérica e urinária, além da relação kappa/lambda, foi negativa. Na sequência, realizou cintilografia com pirofosfato, cujo resultado também foi negativo. O estudo genético revelou variante patogênica Phe84Leu no gene da TTR, conhecida por ter cintilografia com pirofosfato negativa. Iniciado tafamidis 20 mg/dia. Repetida a investigação de clonalidade, mais uma vez negativa. Considerando a macroglossia como possível órgão acometido, solicitamos biópsia de língua, cujo resultado inicial foi negativo. Diante da persistência da suspeita clínica, repetimos a biópsia, novamente negativa. Para esclarecer o diagnóstico, solicitamos revisão das lâminas, que confirmou a presença de depósito amiloide no tecido jugal. A espectrometria de massa revelou transtirretina como a proteína predominante, confirmando o diagnóstico de ATTR.
COMENTÁRIOS E CONCLUSÃO: este caso se destaca pela coexistência de dois fatores que, em conjunto, sugerem fortemente a AL: macroglossia e cintilografia com pirofosfato negativa. Embora raramente descrita na ATTR, a macroglossia pode estar presente nesta condição, e a cintilografia negativa não exclui completamente essa etiologia, especialmente em algumas variantes hereditárias ou em fases iniciais da doença. A realização precoce do estudo genético, contrariando o algoritmo diagnóstico usual, foi decisiva para a elucidação do caso, uma vez que a variante Phe84Leu está associada à ausência de captação na cintilografia. A persistência na investigação histológica também foi essencial, demonstrando que, em casos duvidosos, a repetição da biópsia e a revisão de lâminas podem ser determinantes para a confirmação diagnóstica. A presença de macroglossia na suspeita de amiloidose e cintilografia negativa deve motivar uma investigação mais aprofundada, contemplando tanto a ATTR quanto outras formas da doença, especialmente a AL.