Introdução: A sepse é caracterizada por disfunção orgânica secundária à resposta inflamatória inadequada frente a um insulto infeccioso. Se acometimento cardiológico, há aumento de até três vezes da mortalidade. A calcificação do miocárdio é uma forma rara de injúria, com fisiopatologia pouco compreendida.
Relato: Paciente do sexo feminino, 29 anos, previamente hígida, admitida por sepse secundária a abscesso em músculo iliopsoas direito, complicada com embolia séptica pulmonar. Hemoculturas foram positivas para Staphylococcus aureus resistente à oxacilina. Ecocardiograma transesofágico não mostrou vegetações ou outras alterações relevantes. Progredido tratamento com vancomicina e drenado coleção. Paciente evoluiu com insuficiência respiratória, permanecendo sob ventilação mecânica e uso drogas vasoativas por 14 dias. Submetida a nova drenagem da coleção e tomografia computadorizada de controle mostrou aparecimento de calcificação difusa do ventrículo esquerdo (VE). Paciente euvolêmica, assintomática do ponto de vista cardiológico, porém com limitação funcional diante de tetraparesia do doente crítico. Realizado eletrocardiograma (taquicardia sinusal sem outras alterações), troponina negativa e NT-proBNP 3043pg/mL. Ressonância magnética cardíaca (RMC) mostrou hipertrofia concêntrica e hipocinesia difusa de VE, disfunção leve de VE (fração de ejeção de VE 48%), realce tardio mesocárdico, de padrão não coronariano e predomínio septal e hipersinal difuso em mapa T2, sugestivo de edema. Os achados foram compatíveis com miocardite aguda. Iniciado terapia para disfunção e realizado Holter 24 horas, sem arritmias malignas. Recebeu alta com encaminhamento à Cardiologia e nova RMC em um mês.
Discussão: A calcificação de miocárdio apresenta poucos casos descritos em literatura. Classificada em idiopática, distrófica e metastática. Em contexto de sepse, é teorizado que a liberação de citocinas pró-inflamatórias altere o metabolismo de cálcio e fósforo diante de resistência a PTH e vitamina D. Ainda, o desbalanço entre oferta e demanda de oxigênio tecidual promoveria necrose e aumento de influxo de cálcio em fibras miocárdicas. As consequências dessa entidade são potencialmente irreversíveis, incluindo disfunção ventricular, alteração de mobilidade segmentar, distúrbios de condução e arritmias malignas.
Conclusão: A calcificação miocárdica é uma complicação rara, com instalação rápida e potencialmente fatal. É associada a cenários críticos e carece de mais dados para elaboração de estratégias de condução.