Introdução:A síndrome da quilomicronemia familiar (SQF) é uma dislipidemia que compreende as manifestações decorrentes da deficiência da enzima lipoproteína lipase (LPL), comprometendo o metabolismo de triglicérides. De incidência extremamente rara e herança autossômica recessiva, um a dois casos por milhão. Já a síndrome da quilomicronemia multifatorial (SQM) é um distúrbio poligênico relacionado a comorbidades como obesidade e síndrome metabólica.Relato de caso: Mulher de 55 anos, com histórico de sobrepeso, hipertensão e tabagismo (30 anos-maço), foi referenciada a ambulatório especializado de dislipidemias por aumento dos níveis de triglicérides desde os 31 anos, com níveis acima de 6000 mg/dl. Fator desencadeado pelo uso de anticoncepcional e aumento de peso. Iniciou investigação após quadros recorrentes de pancreatite aguda. Após dez episódios, na vigência de hipertrigliceridemia, inclusive com necessidade de plasmaférese como terapia adjuvante (Figura 1), evoluiucom dor abdominal refratária e quadro sugestivo de pancreatite crônica (Figura 2). Apresentou ainda piora progressiva do controle glicêmico, sugerindo diabetes secundário à falência pancreática. Em uso de estatina, ezetimiba e fibrato.
Iniciada terapia adjuvante com Orlistate e orientado ajuste comportamental com objetivo de perda de peso. Estratificação cardiovascular com angiotomografia de coronárias mostrou escore de cálcio zero e coronárias sem lesões obstrutivas. Sob a hipótese de Síndrome da Quilomicronemia familiar, foi realizado teste genético com identificação da mutação GPIHBP1 em heterozigose (Figura 3). Após medidas dietéticas, comportamentais, terapia medicamentosa e perda de peso, houve melhora importante da dor e diminuição dos níveis de triglicerídeos, sem novos episódios de pancreatite aguda. Discussão: Apesar de rara, é uma condição subdiagnosticada e subtratada. O diagnóstico de SQF é definido através da suspeita e teste genético evidenciando as mutações APOC2, APOA5, GPIHBP1 e LMF1 em homozigose com sinais e sintomas desenvolvidos geralmente na infância ou adolescência. Considerando níveis altos de triglicerídeos, o risco de pancreatite é extremamente elevado. Geralmente não há boa resposta à terapia hipolipemiante convencional, sendo essencial medidas comportamentais como restrição de gordura na dieta e controle de fatores de risco. Conclusão: Este caso mostra uma paciente com mutação relacionada à SQF em heterozigose, configurando de maneira inusual uma manifestação extremamente grave e mórbida da doença com boa resposta à terapia instituída.